terça-feira, 29 de abril de 2008

Setas desgovernadas.

O PS pode, por estes dias, dar-se ao luxo de ver o seu António Vitorino defender, nas notas que solta na RTP, que ele próprio gostaria de ver um PSD mais forte, sob pena de deixar o governo sem a pressão de um adversário que represente uma alternativa credível. Há regozijo entre as hostes socialistas. Assim anda o PSD, atingido pela suprema humilhação de ver o próprio adversário desejar, complacentemente, que se organize, quando não sabe sequer quantas setas tem no símbolo.

Entretanto, no plano interno as atenções parecem fundamentalmente polarizadas entre Manuela Ferreira Leite, com o seu estilo maquinado de dama cinzenta pretensamente obcecada pelo rigor, e o possível avanço de Jardim, o seu perfeito oposto, um espectáculo ambulante de exagero insultuoso, aparentemente leviano. Aliás, parece-me que a antítese das suas imagens vai além desta básica comparação de estilos. Senão, aprofunde-se um pouco mais o que representa cada figura. Ferreira Leite é a seriíssima personalidade responsável pelo estado de coisas que culminou naquela situação financeira do país que explodiu no governo de Santana Lopes. João Jardim, por seu lado, é o histriónico personagem responsável pela evolução sustentada do arquipélago da Madeira de território pobre periférico para zona de desenvolvimento concertado com o da média da União Europeia. Estamos, portanto, perante uma dupla oposição, deixando os partidários de cada lado sem outra hipótese que não seja glorificar o lado do seu líder que mais o favorece.

Jardim andará, provavelmente, a tentar descobrir se o seu estilo, tolerado nas ilhas, não o aniquilará no continente. Manuela Ferreira Leite, pelo contrário, começou já a dar ares da sua graça, com uma linguagem pejada de preocupações difusas mas obstinadas, impregnadas de um espírito de missão sebastiânico. Os seus apoiantes desfazem-se em brados de "seriedade", "força", "respeito", "competência", "experiência", "rectidão", "exigência" e outros "-ãos" e "-ências" afins. Quem se lembrará ainda daquela remota crise que sucedeu à sua ocupação da cadeira das finanças no tempo de Durão Barroso? A imagem é tudo, o passado já lá vai.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

34 anos.


"Não me obriguem a vir para a rua gritar."

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Desacordo ortográfico.

Ainda nenhum argumento conseguiu convencer-me de que este proposto acordo ortográfico será benéfico para a nossa língua. E tenho ouvido vários, uns mais sensatos que outros.

Um que não consigo deixar de contestar, escolhido mais ou menos ao acaso entre outros dignos de discussão, é o de que a língua portuguesa é uma língua difícil de aprender, para falantes nativos e, principalmente, estrangeiros, pelo que devemos tentar simplificá-la. Todos crescemos com essa convicção, não é verdade? É do género daquela outra que nos convence de que os portugueses são um povo com um jeito natural para o desenrasque. Enfim, voltando à questão posso dizer que tive contacto com várias línguas estrangeiras, mesmo para além daquelas óbvias que se encontram numa viagem daqui, através da Europa, até ao antigo limite com o leste comunista, e gostava de informar que há por aí muita língua com gramática complicada. Estamos habituados a comparar o português com o inglês e a assumir instantaneamente ares de superioridade pela simplicidade gramatical desta, já, linguagem global. Pois para além do facto de a nossa não ser a língua mais complicada do mundo (se é que comparações destas têm, sequer, algum sentido), parece-me também que falar bem inglês não é tão fácil como tanto se apregoa. Será argumento dizer que temos uma língua complicada? No mínimo, com a simplificação ortográfica há-de chegar também um empobrecimento da língua portuguesa em geral.

Um olhar panorâmico sobre a posição geral dos diferentes países lusófonos parece revelar uma opinião geral dividida ou mesmo desfavorável em Portugal, um Brasil entusiasmadíssimo com a ideia e um resto de paisagem mais preocupada com outro tipo de problemas, para eles mais importantes. A posição do Brasil não surpreende, é mesmo do tipo de coisa de que eles gostam, em geral, e, neste assunto específico, até já têm vindo a adiantar trabalho nos últimos anos. Vejam-se os números, que já andam por aí, da percentagem de alterações que o acordo implica em Portugal e no Brasil. Cerca de três vezes mais por cá, não é? Querem agora aqui, no rectângulo fundador da lusofonia, seguir a candeia que vai à frente e que, por isso, alumia duas vezes.

Pelo que vejo, a facção favorável ao acordo alicerça a sua posição, afinal de contas, no objectivo de nos proteger do desprestígio de vermos o Brasil, num futuro mais ou menos próximo, arrastar a sua versão do português escrito para a ribalta (diz-se que a fonia, não percebo bem como, é para manter diferente), atrelado ao crescimento da sua posição no mundo económico (que é o que conta, nos tempos que correm). Se não podes vencê-los, junta-te a eles, não é? Pelo contrário, a “resistência” parece preocupar-se com o código ortográfico propriamente dito, vejam lá!


Por isso e porque, entre outras complexidades, as consoantes não articuladas existem por razões e regras de que me sirvo para evitar erros, prefiro correr o risco de ver, um dia, este nosso jardim à beira-mar plantado exibir, orgulhosamente só, uma ortografia que não retire recursos aos nossos poetas.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O cão de Habacuc.

O artista costa-riquenho Guillermo “Habacuc” Vargas tornou-se recentemente mundialmente famoso por uma obra que expôs em Agosto de 2007, na sua "Exposición No. 1", na “Galería Códice” em Manágua, capital da Nicarágua. Para quem ainda não ouviu falar dela, é mais conhecida por “a exposição do cão” e a obra polémica consistia em manter um cão faminto e doente recolhido das ruas da cidade, com várias úlceras visíveis na pele do dorso, amarrado com uma corda a um canto da sala. A instalação não se resumia a esta situação, mas os restantes aspectos são irrelevantes para o caso, com excepção talvez do facto de incluir ainda comida de cão colocada fora do alcance do animal.

Não posso afirmar que tenha lido muito sobre o assunto, mas uma pesquisa directa na internet parece revelar uma maioria esmagadora de opiniões negativas (incluindo verdadeiros acervos de raiva contra Habacuc e a “Galería Códice”), entremeadas por petições apelando ao boicote do trabalho de Habacuc. Para isso também terá contribuído a abordagem dos meios de comunicação social menos sérios, que aproveitaram para passar uma sensacionalista história de um cão maltratado a morrer na galeria, versão não confirmada por qualquer fonte fidedigna. Enquanto o artista afirmava que no plano artístico o cão morreu, como era sua intenção inicial, e no plano da realidade se reservava o direito de não responder, ou qualquer coisa por estas linhas, a galeria afirmou que o animal foi alimentado normalmente, com excepção de um intervalo de três horas em que fez parte da instalação exposta, e que acabou por fugir mais tarde.

Por meu lado, repudio quaisquer maus-tratos a animais e é por isso mesmo que quero defender esta obra, que me parece conter uma mensagem social com valor. Segundo o artista, ninguém foi impedido de pôr a comida ao alcance do cão ou de o libertar e, no entanto, naquela situação ninguém o fez. Suspeito que muitas das pessoas que correm agora a assinar as petições contra o trabalho de Habacuc desviam os olhos quando vêem animais em estado semelhante na rua. O artista descontextualizou a imagem do cão vadio doente e faminto, transportando-a para um ambiente que está normalmente livre de tais situações embaraçosas, como que gritando aos ouvidos dos visitantes que é seu hábito virar a cara e continuar indolentemente o seu caminho.

Pode ser que seja mentira o que disseram os responsáveis da galeria, pode ser que Habacuc tenha deixado o cão morrer de fome, mas isso continua a ser menos importante do que a força com que ele conseguiu fazer passar a mensagem. Um cão pode ter sido maltratado naquela exposição, mas muitos outros poderão beneficiar da atitude renovada de pessoas a quem a mensagem tiver chegado. Parece-me que Habacuc fez mais com esta exposição pela honrada causa da defesa dos direitos dos animais do que todas estas associações juntas. Canalizam agora esforços para a recolha de assinaturas para as suas petições em vez de apontarem a instalação de Habacuc como um excelente espelho onde podemos ver a nossa vergonhosa indiferença.

Olá.

Muito boas tardes! Estamos mesmo naquele limite entre a manhã e a tarde (esse limite é mesmo o meio-dia, não é? ou será o almoço? bem, fico-me com o meio-dia) e escolho abrir com as "boas tardes" para não parecer agarrado ao passado, antes virado para o futuro. São pormenores que contam para o leitor, mesmo que a um nível subconsciente, julgam que não? Bem, já está, com isto começámos. Até breve!