quinta-feira, 24 de abril de 2008

Desacordo ortográfico.

Ainda nenhum argumento conseguiu convencer-me de que este proposto acordo ortográfico será benéfico para a nossa língua. E tenho ouvido vários, uns mais sensatos que outros.

Um que não consigo deixar de contestar, escolhido mais ou menos ao acaso entre outros dignos de discussão, é o de que a língua portuguesa é uma língua difícil de aprender, para falantes nativos e, principalmente, estrangeiros, pelo que devemos tentar simplificá-la. Todos crescemos com essa convicção, não é verdade? É do género daquela outra que nos convence de que os portugueses são um povo com um jeito natural para o desenrasque. Enfim, voltando à questão posso dizer que tive contacto com várias línguas estrangeiras, mesmo para além daquelas óbvias que se encontram numa viagem daqui, através da Europa, até ao antigo limite com o leste comunista, e gostava de informar que há por aí muita língua com gramática complicada. Estamos habituados a comparar o português com o inglês e a assumir instantaneamente ares de superioridade pela simplicidade gramatical desta, já, linguagem global. Pois para além do facto de a nossa não ser a língua mais complicada do mundo (se é que comparações destas têm, sequer, algum sentido), parece-me também que falar bem inglês não é tão fácil como tanto se apregoa. Será argumento dizer que temos uma língua complicada? No mínimo, com a simplificação ortográfica há-de chegar também um empobrecimento da língua portuguesa em geral.

Um olhar panorâmico sobre a posição geral dos diferentes países lusófonos parece revelar uma opinião geral dividida ou mesmo desfavorável em Portugal, um Brasil entusiasmadíssimo com a ideia e um resto de paisagem mais preocupada com outro tipo de problemas, para eles mais importantes. A posição do Brasil não surpreende, é mesmo do tipo de coisa de que eles gostam, em geral, e, neste assunto específico, até já têm vindo a adiantar trabalho nos últimos anos. Vejam-se os números, que já andam por aí, da percentagem de alterações que o acordo implica em Portugal e no Brasil. Cerca de três vezes mais por cá, não é? Querem agora aqui, no rectângulo fundador da lusofonia, seguir a candeia que vai à frente e que, por isso, alumia duas vezes.

Pelo que vejo, a facção favorável ao acordo alicerça a sua posição, afinal de contas, no objectivo de nos proteger do desprestígio de vermos o Brasil, num futuro mais ou menos próximo, arrastar a sua versão do português escrito para a ribalta (diz-se que a fonia, não percebo bem como, é para manter diferente), atrelado ao crescimento da sua posição no mundo económico (que é o que conta, nos tempos que correm). Se não podes vencê-los, junta-te a eles, não é? Pelo contrário, a “resistência” parece preocupar-se com o código ortográfico propriamente dito, vejam lá!


Por isso e porque, entre outras complexidades, as consoantes não articuladas existem por razões e regras de que me sirvo para evitar erros, prefiro correr o risco de ver, um dia, este nosso jardim à beira-mar plantado exibir, orgulhosamente só, uma ortografia que não retire recursos aos nossos poetas.

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