quarta-feira, 23 de abril de 2008

O cão de Habacuc.

O artista costa-riquenho Guillermo “Habacuc” Vargas tornou-se recentemente mundialmente famoso por uma obra que expôs em Agosto de 2007, na sua "Exposición No. 1", na “Galería Códice” em Manágua, capital da Nicarágua. Para quem ainda não ouviu falar dela, é mais conhecida por “a exposição do cão” e a obra polémica consistia em manter um cão faminto e doente recolhido das ruas da cidade, com várias úlceras visíveis na pele do dorso, amarrado com uma corda a um canto da sala. A instalação não se resumia a esta situação, mas os restantes aspectos são irrelevantes para o caso, com excepção talvez do facto de incluir ainda comida de cão colocada fora do alcance do animal.

Não posso afirmar que tenha lido muito sobre o assunto, mas uma pesquisa directa na internet parece revelar uma maioria esmagadora de opiniões negativas (incluindo verdadeiros acervos de raiva contra Habacuc e a “Galería Códice”), entremeadas por petições apelando ao boicote do trabalho de Habacuc. Para isso também terá contribuído a abordagem dos meios de comunicação social menos sérios, que aproveitaram para passar uma sensacionalista história de um cão maltratado a morrer na galeria, versão não confirmada por qualquer fonte fidedigna. Enquanto o artista afirmava que no plano artístico o cão morreu, como era sua intenção inicial, e no plano da realidade se reservava o direito de não responder, ou qualquer coisa por estas linhas, a galeria afirmou que o animal foi alimentado normalmente, com excepção de um intervalo de três horas em que fez parte da instalação exposta, e que acabou por fugir mais tarde.

Por meu lado, repudio quaisquer maus-tratos a animais e é por isso mesmo que quero defender esta obra, que me parece conter uma mensagem social com valor. Segundo o artista, ninguém foi impedido de pôr a comida ao alcance do cão ou de o libertar e, no entanto, naquela situação ninguém o fez. Suspeito que muitas das pessoas que correm agora a assinar as petições contra o trabalho de Habacuc desviam os olhos quando vêem animais em estado semelhante na rua. O artista descontextualizou a imagem do cão vadio doente e faminto, transportando-a para um ambiente que está normalmente livre de tais situações embaraçosas, como que gritando aos ouvidos dos visitantes que é seu hábito virar a cara e continuar indolentemente o seu caminho.

Pode ser que seja mentira o que disseram os responsáveis da galeria, pode ser que Habacuc tenha deixado o cão morrer de fome, mas isso continua a ser menos importante do que a força com que ele conseguiu fazer passar a mensagem. Um cão pode ter sido maltratado naquela exposição, mas muitos outros poderão beneficiar da atitude renovada de pessoas a quem a mensagem tiver chegado. Parece-me que Habacuc fez mais com esta exposição pela honrada causa da defesa dos direitos dos animais do que todas estas associações juntas. Canalizam agora esforços para a recolha de assinaturas para as suas petições em vez de apontarem a instalação de Habacuc como um excelente espelho onde podemos ver a nossa vergonhosa indiferença.

Sem comentários: