sexta-feira, 20 de junho de 2008

Previsões reveladas só depois do jogo.

Perdemos com a Alemanha, acabou o sonho. Chegou a altura de ver correr rios de tinta na imprensa, torrentes de píxeis na rede e verborreias nas televisões e rádios plenos de compenetradas análises iluminadas a posteriori. Encontram-se muitas ideias interessantes, mas há uma atitude que me parece completamente ridícula e com a qual me deparo mais vezes do que era sensato esperar. Sem me referir aos nomes dos seus mais leais alimentadores, o procedimento consiste, em linhas gerais, em aparecer após a derrota da selecção nacional de futebol a apontar, tão mais altivamente quanto maior for a importância do fracasso, uma série de razões que se consideram tão obviamente responsáveis pela derrota que será, com certeza, sinal claro de inferioridade intelectual dos responsáveis técnicos não as terem evitado a tempo. Tudo isto aliado ainda a um discurso de glorificação das capacidades do adversário. E, já agora, o futebol é só um exemplo deste tipo de postura, ela não se fica pela área do desporto.

Uma coisa é fazer a engenharia reversa de chegar às causas pela análise das suas consequências nefastas, no sentido de resolver os problemas responsáveis pelos maus resultados. Outra bem diferente, e bastante irritante, diga-se, é vir dizer só depois do leite derramado que se estava mesmo a ver que assim o leite ia derramar-se. Há que resistir a esta tentação certa depois do desaire. Seria bastante mais produtivo que se dedicasse mais tempo ao desenvolvimento de estratégias para corrigir erros verificados.

Alguns apressaram-se a louvar a eficácia germânica, mas eu diria que foi, na realidade, um daqueles jogos em que pode dizer-se melhor que o derrotado perdeu do que que o vencedor ganhou. Apesar da boa exibição de alguns dos seus jogadores e de uma ou outra excepção ao longo do jogo, o que vimos foi uma selecção alemã sem grande capacidade para criar verdadeiros lances de ataque. Os jogadores revelaram, aliás, um certo desgaste, cada vez mais aparente à medida que o jogo se aproximava do fim. Para além disso, permitiram ao nosso ataque várias jogadas de perigo, em que os portugueses apareceram em muito boa posição para alterar o marcador. Parece-me que a Alemanha não jogou bem, não acho que baste marcar três golos (dois dos quais, pelo menos, quase “oferecidos”) para se poder dizer isso. Por outro lado, a nossa selecção acabou por jogar pior, porque não basta atacar melhor para que se possa dizer que se jogou bem.

Parece-me que a selecção alemã não mostra futebol para voos muito mais altos. Fica a impressão de que o primeiro adversário com que se deparem que seja capaz de discutir as bolas altas dentro da sua própria área defensiva (a Croácia, será?) terá as melhores hipóteses de os deixar pelo caminho. Posso enganar-me, mas parece-me que têm a seu favor o poder físico e pouco mais.

De qualquer forma, eu considero-me satisfeito com a prestação da nossa equipa, apenas ensombrada pela incapacidade revelada ontem naquelas bolas paradas postas a sobrevoar o coração da nossa grande área defensiva. Mostrámos futebol de qualidade, marcámos golos e só não merecemos passar à fase seguinte da competição por essa lamentável falha defensiva. O futebol português é claramente, hoje em dia, muito forte.

Entretanto, Scolari sai e deixa atrás de si uma história de bons resultados. Sentirá, com certeza, um certo amargo de boca por este resultado à saída, que poderia ter sido melhor. Penso que ele é um dos responsáveis pelo facto de os portugueses não estarem já habituados a ficar pelos quartos-de-final. Até há relativamente pouco tempo na história do nosso futebol o sonho seria chegar cá; por estes dias sonhamos sempre, à partida, legitimamente, com a final.

Sem comentários: